Em teoria, quem trabalha conta os dias para ter a chance de se desconectar da rotina quando as férias chegarem. Em teoria.
Uma pesquisa feita no ano passado pela Isma-BR (International Stress Management Association) com mil profissionais no país constatou que 43% das pessoas têm receio de sair de férias –metade delas pelo medo de que decisões importantes possam ser tomadas na empresa no período.
Para muitos deles, então, já virou rotina usar o celular para checar e-mails e tarefas do trabalho em viagens a lazer.
A arquiteta Renata de Maio, 27, por exemplo, diz que nunca sai de férias plenamente tranquila. “Às vezes, faltando um mês para viajar, surge um projeto que não posso negar –mas também já não posso cancelar a viagem”, diz.
Para dar conta de tudo, ela costuma contratar uma pessoa de confiança, que avalia o andamento dos projetos em São Paulo e envia fotos por WhatsApp de forma que ela os acompanhe à distância.
No fim das férias, por outro lado… “Não volto descansada. Aliás, volto mais pilhada, para ver o que foi feito na minha ausência”, reconhece.
Segundo psicólogos ouvidos pela Folha, o exemplo de Renata é negativo inclusive para a saúde mental.
“Todo mundo precisa se desligar de tudo periodicamente, para refrescar a cabeça, ter mais criatividade, jogar fora o lixo intelectual que acumula no dia a dia”, afirma Marilda Lipp, diretora do Instituto de Psicologia e Controle do Stress, de Campinas (SP).
A visão é compartilhada por quem analisa o mundo corporativo. “Esse período de oxigenação é necessário para voltar ao trabalho com ideias e ânimo novos”, diz Anna Cherubina, consultora em gestão e professora da FGV-SP.
Ela destaca que não há, ao contrário do que faz crer a cultura de algumas empresas, motivos para alguém se sentir culpado ou constrangido ao tirar 30 dias de férias.
Em um experimento feito em 2015, a start-up inglesa Vinaya, que estuda o impacto da tecnologia no comportamento, convidou 35 presidentes de empresas e empreendedores para um detox digital.
Nos cinco dias em que eles ficaram sem celular, neurocientistas observaram que a “descompressão” proporcionou conversas mais longas e divertidas e momentos de reflexão -ao final, alguns convidados decidiram fazer mudanças na carreira.
A publicitária Bárbara Zachi, 28, encara as férias como um miniperíodo sabático. “No último dia de trabalho deixo tudo preparado para que não precisem de mim”, diz. Nos 30 dias seguintes, ela não entra nem no e-mail.
“Ao ir viver o mundo lá fora, crio para mim um momento de autoconhecimento e reflexão –e depois volto com a criatividade aflorada.”
Férias em curso
Com a competitividade em alta por causa da crise, alguns profissionais também têm usado os dias longe do escritório para fazer cursos.
É o caso do publicitário Marcus Pesavento, 30, colega de Bárbara na agência J. Walter Thompson. Ele decidiu passar as próximas férias em uma espécie de estágio na filial mexicana da empresa.
“Eu queria estudar espanhol fora do país e achei que seria bom aproveitar esse tempo para fazer um curso na minha área”, conta. “O foco não serão meus projetos daqui, mas os da equipe de lá.” Férias para valer, só mesmo nos fins de semana.
A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR, diz que isso até pode ser positivo. “Desde que a pessoa tenha disciplina para reservar momentos para o lazer.”
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Quatro passos para tirar férias sem culpa:
1 – Defina junto com o chefe e a equipe o melhor momento para tirar férias. Planejar com antecedência ajuda a escolher o melhor destino para a viagem e a fazer uma programação financeira, mas também a eventualmente adiantar projetos no escritório
2 – Antecipe-se e informe aos colegas de trabalho e a clientes internos e externos sobre o período em que estará fora. Diga se vai estar ou não acessível e passe os dados de quem eles poderão contatar em caso de necessidade
3 – Antes de sair, atualize os envolvidos nos seus projetos do status de cada um e delegue tarefas que seriam de sua responsabilidade -traçando um plano de soluções para diversos cenários. Detalhe esse planejamento ao gestor
4 – Procure se desligar, ainda que aos poucos, da rotina e faça um trabalho para não sentir culpa em tirar férias -elas são importantes para a saúde física e mental. Se for o caso, reserve um tempo para refletir sobre a vida, mas também sobre o trabalho
Link Original: Folha de SP
Veículo: Colaboração para a Folha
Autor: Beatriz Souza